terça-feira, 15 de dezembro de 2009






Jóias natalinas?

Artigo muito legal escrito pelo jornalista do Jornal Folha de São Paulo, Marcelo Coelho (pena que na maioria de suas aulas eu estava no boteco...rarara), em seu blog (http://marcelocoelho.folha.blog.uol.com.br/)


Panetone

Desde que me dou por gente ouço críticas ao consumismo natalino. “Não existe mais nenhum espírito cristão... é só comércio”, dizia minha mãe, por volta de 1965. A palavra “consumo” ainda não estava em voga.

Não tenho motivos, portanto, para reclamar da “descaracterização” do Natal. Mas tenho algo a dizer sobre a descaracterização do panetone. Aqui, sim, o fenômeno é grave, relativamente recente, e irreversível.

Não me refiro aos panetones do governador Arruda, cuja imaterialidade até o momento não deixa de trazer um apelo ao mínimo de fé e misticismo que ainda se aninha no coração humano. Falo dos panetones de verdade, os que se apalpam, cheiram e comem nesta época do ano.

Nunca foram a melhor coisa do Natal; quando criança, eu tampouco dava bola para amêndoas, castanhas e avelãs. O sabor de frutas cristalizadas talvez não seja o mais atraente ao paladar infantil: a beleza daqueles cubos de cidra verde, raros no meio de algumas passas amarelas e pretas, trazia à boca uma certa decepção escorregadia e saponácea.

A massa, pronta a ressecar-se, bastante queimada na parte da baixo, nada mais era, para mim, que a de um pão doce de padaria. O panetone, enfim, estava na categoria do sorvete de creme, do arroz-doce, do manjar branco, do doce de batata doce, do incompreensível sequilho, do chatíssimo biscoito amanteigado: coisas de velho, prazeres pálidos, católicos, parentes de papas e mingaus.

Só mais tarde comecei a gostar de panetones. A verdade é que melhoraram muito: a química progrediu, tornando-os mais perfumados e macios, com mais frutas, menos casca preta. Melhoraram. E depois entraram num processo de completo declínio. Declínio moral, faço questão de frisar. Ético, espiritual, deontológico.

A semente da corrupção começou quando foi inventado o chocotone. O consumidor, como bem sabem os fabricantes, não resiste a chocolate. Imagino que as vendas de panetone não andassem lá essas coisas. Era preciso conquistar novos mercados; as crianças, que nada encontravam de interessante nas frutas cristalizadas, foram seduzidas.

Os pingos (ou melhor, as “gotas”) de chocolate entraram na massa do panetone como os soldados gregos no cavalo de Troia. A praça foi então conquistada cruelmente.

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